Pseudopapel

Prédios com nomes estrangeiros

Letreiro do Edifício da Vovó e do Vovô

Em 13 de janeiro o Jornal da Tarde publicou reportagem em seu caderno de Imóveis a respeito da tendência do mercado imobiliário de dar nomes estrangeiros aos novos empreendimentos. É algo com que tenho rusgas que já expus aqui em alguns artigos, como quando critiquei o Edifício Mood, na Rua Álvaro de Carvalho. Na matéria do JT, em executivo de incorporadora disse: “É tradição usar palavras estrangeiras. Brasileiro gosta de tudo o que é de fora.” É verdade. Até porque muitas vezes desconhece o significado, e aí a palavra soa melhor. No caso específico do Mood, imaginem se ele se chamasse Edifício Humor ou Edifício Estado de Espírito.

E há outros exemplos similares por aí, basta folhear um jornal de domingo. Aliás, “similar” é a melhor palavra para definir essa situação, porque há nomes muito parecidos. Tudo quanto é lançamento de prédio de escritórios tem um “Business Center” ou um “Offices” no nome. Entre os residenciais, não há algo tão dominante, mas vê-se muito “Estilo” e, especialmente, “Park”, como um empreendimento chamado “Central Park Prime”, no Carrão (embora anunciado como Tatuapé), bairro que de central não tem nada.

Na mesma matéria do JT, é citada uma incorporadora que tem outra posição a respeito dos nomes estrangeiros: ela não os usa. “Muitas pessoas estão entrando no segmento [N. do E.: O que raios significa "entrar no segmento"? Ela está falando dos compradores ou dos corretores?] e têm dificuldade de pronunciar os nomes. E o Brasil está na moda.” Aplaudo a iniciativa de usarem nomes em português. Só poderiam ser mais criativos. Vários têm “Estilo” no nome ou outras (poucas) palavras, sempre para tentar dar ao empreendimento um status que ele não tem. Ou alguém acha que em um condomínio onde moram duzentas famílias “estilo” é a primeira palavra que se vem à mente?

É verdade que ser criativo nesse mercado não é lá muito fácil. Mesmo nos tempos de antigamente, os nomes não eram uma maravilha da criatividade: costumavam homenagear a rua, o bairro ou alguma pessoa cujos feitos se perderam no tempo. Eu mesmo já morei no Edifício Almiro Meirelles Ferreira, levantado nos anos 1960, e não faço ideia de quem seja. Nem Mr. Google ajudou muito na busca. Sem contar as menções ao prédio, só consegui descobrir que ele — ou um homônimo — era dono de terras que foram desapropriadas em 1954 para a passagem de uma linha de transmissão entra a usina termelétrica de Piratininga e uma linha entre Cubatão e São Caetano do Sul. Nada mais sei sobre ele. Seria ele o antigo proprietário do terreno onde o prédio foi construído? Difícil saber.

Já os bairros homenageados pelos prédios de antigamente ao menos tratavam do bairro onde eles ficavam. Hoje Santa Cecília virou Higienópolis, Pinheiros virou Jardins, Pompeia virou Perdizes e por aí vai. Meu pai mostrou-me outro dia um anúncio que lhe chamara a atenção na página A28 do Estadão de 21 de abril, com o empreendimento Estilo Jardins, que fica… em Pinheiros! Sim, na Rua Arruda Alvim, entre a Cardeal Arcoverde e a Teodoro Sampaio. (Será que em cidades que delimitam as divisas de bairros por leis isso também acontece? Pior que acredito que sim.) E olha que nem vou entrar no mérito de que o anúncio trazia fotos de um metrô que não é o de São Paulo (“Imagem ilustrativa da Estação Clínicas”, dizia um texto sobre a foto!), de uma mulher com vestido esvoaçante e de lojas na Rua Oscar Freire, que é paralela à Rua Arruda Alvim. Essa foto, além de tudo, mostra um trecho da rua a pelo menos oito quarteirões do empreendimento, pouco após a esquina com a Rua da Consolação. Essa distância inclui cruzar a Avenida Rebouças. E a derrapada nessa foto não para por aí: para não mostrar as marcas das lojas, ela foi photoshopada, incluindo a remoção de uma placa com o logo da loja Carmim. Mas faltou removê-la do reflexo na vitrine da loja, embora deste o logo também tenha sido removido! Compare a foto que saiu no jornal com o Street View.

Mas eu queria falar mesmo era dos nomes dos prédios. Sessenta anos atrás, parece que o pessoal podia ser mais ousado. Um bom exemplo, o Prédio Zú, foi citado aqui em junho passado. Um exemplo melhor ainda é o Edifício do Vovô e da Vovó, na Rua Pedro Taques, cujo letreiro aparece na foto acima, após a horrenda pintura que ele sofreu recentemente — dá para perceber que não há verbo que se encaixe melhor aqui do que “sofrer”. São nomes únicos, que incorporadora nenhuma ousa usar hoje em dia. Melhor batizar com um nome parecido com os outros. Mais garantido. Vai que eles acabam vendendo menos por não usar um nome como “Estilo Jardins”.

(Ah, sim, uma última foto em que se vê a fachada inteira do Edifício da Vovó e do Vovô.)

Edifício da Vovó e do Vovô

15 comentários

José Maria Aquino (67)

Depois não querem que os gringos nos chamem de macacos (imitadores).Liquidação virou “sale”. Entrega rápida é “delivery”.Já não nascem Beneditos, Josés, Maria. São batizados com nomes de artistas – que nem sempre o escrivão conhece a grafia e faz a maior lambança.Aí aparece o Deivid (jogador do Flamengo). O pai batizou de David Luiz o jogador do Chelsea e os locutores ficam brigando no ar. Uns o chamam de
Davi, outros pronunciam Deivid. E tem os que usam o “son” no final do nome, na maioria das vezes sem saber o que significa. Ninguém mais nasce no bairro Cidade Dutra, nasce em Interlagos rrss. E já viu que negro nem mulado é chamado pelos anúncios para comprar apartamentos em prédios “estrangeiros”??? São todos loirinhos…. abração

12 de maio de 2012, 10:13

Alexandre Giesbrecht

“Liquidação” como “sale” é de matar, porque “liquidação” estava consagrado havia décadas. Mas o apelo de uma palavre de apenas quatro letras parece ter sido forte demais. “Delivery” não existe em Porto Alegre. É tudo “tele-entrega” (só não me lembro se com ou sem hífen).

Outro dia li sobre um sujeito na Paraíba que chamou seu filho de Facebookson. Até aí, vá lá, mas o que mais me espantou foi que o pedido original — o nome do rebento deveria ser apenas Facebook — foi rejeitado em dois cartórios, que não aceitaram um nome estrangeiro. Quando ele mudou o nome para Facebookson, pronto!, resolveu-se o “problema”. Ou seja, aparentemente o sufixo “son” agora transforma palavras em português. Afinal, nomes como Anderson e Jefferson são sobrenomes, não prenomes, em seus países de origem. Imagine se a moda tivesse pegado um século antes. Em vez de termos o futebol como esporte preferido teríamos o “footballson“.

Cidade Dutra tinha uma estação de trem (a única original do ramal que ainda está de pé, embora não seja mais usada para esse fim). Quando construíram a Estação Autódromo, nem pensaram em batizá-la de Cidade Dutra. Deve ser o mesmo princípio, embora, vá lá, “Autódromo” faça sentido também.

Só discordo dos loirinhos em anúncios. Eles ainda são maioria, sim, mas já vi anúncios com negros e mulatos. Em bem menor número, é verdade, mas eles existem, o que seria impensável não muitos anos atrás!

12 de maio de 2012, 10:45

Ralph Giesbrecht (42)

Você, que mora no Bladder, deveria visitar seus amigos que moram em Garden City, em Armadillo-on-foot e em Big Car para conhecer melhor os nomes dos prédios. Afinal, não podemos nos concentrar somente em bairros como Mary Ann Village, Clementine´s Village, Rotten Fish, Hygiene City, Consolation, Bethlehem and Li´l Bethlehem para chegar a estas conclusões. Pine Trees, Limpet, Roman Village and Pompei Village também deveriam ser exploradas, assim como Deep Bar.

12 de maio de 2012, 11:08

Alexandre Giesbrecht

Só não descobri qual é o “Rotten Fish”.

12 de maio de 2012, 11:17

gilberto maluf (66)

Aqui em Santos, na av. Pres. Wilson, entre os canais 1 e 2, estão iniciando um grande empreendimento e o nome e´: Unlimited Ocean Front
Parece que só com nome assim se consegue atrair a clientela que se diz Vip.

12 de maio de 2012, 11:59

Alexandre Giesbrecht

Já vi anúncios desse empreendimento, Gilberto. Embora a vista que seus moradores terão provavelmente seja de tirar o fôlego, ele vai destruir a vista de todos os seus vizinhos, sem exceção, especialmente aqueles que ficam atrás. Imagino também que vá fazer uma grande sombra para quem estiver na areia dependendo da hora do dia. Ou seja, “unlimited” apenas para quem está nele. Isso sem falar na aglomeração: não duvido que haja congestionamento na saída da garagem nas manhãs de dias úteis!

12 de maio de 2012, 12:19

gilberto maluf (66)

O prédio onde moro fica na mesma avenida distante apenas uns 100m do empreendimento. Dois prédios nos separam.
E o prédio vai parecer um sobrado perto do Unlimited. Quero só ver o congestionamento na região.

12 de maio de 2012, 14:27

Ralph Giesbrecht (42)

Roten Fish? Ibirapuera!

12 de maio de 2012, 15:54

José Maria Aquino (67)

Acho que devia haver lei proibindo nomes de empresas brasileiras com nome estrangeiro. E essas expressões que usam tanto e às vezes nem sabem o significado exato.. Ainda bem que, no futebol, acabaram com o golkeeper, o center-half, o center… rrss

13 de maio de 2012, 10:55

Alexandre Giesbrecht

Acho que só deveria ser proibido — ou, melhor, não-recomendado — se houver um nome em português para a marca, produto etc. É uma velha discussão que eu tive por muito tempo nos fóruns de que eu participava sobre esportes americanos, especialmente beisebol e hóquei no gelo. Eu traduzia tudo que era passível de tradução. No caso do hóquei, eu procurava nor termos em francês, muito usados na província de Quebec, no Canadá, para associar a palavras em português. Em alguns casos, era impossível (até hoje não descobri uma palavra em português para faceoff ou shutout, por exemplo). Mas consegui traduzir várias. No tempo em que eu editava The Slot (nome em inglês, de que me arrependo até hoje), consegui “impor” várias palavras. No começo, não me imaginava não usando “power play“; no final, já não conseguia mais escrever tal palavra em textos em português, optando por “vantagem numérica”, de significado muito mais explícito para um leitor leigo.

Mas na parte do beisebol, que, inclusive, tem muito mais gente praticando no Brasil, tive menos sucesso na empreitada. No fórum de que eu participava, era comum até palavras comuns em português eram trocadas por suas correspondentes em inglês, como “vitória”. Sim, via-se aos montes gente escrevendo que tal “pitcher” tinha tantas “wins“. “Pitcher“, vá lá, embora “arremessador” seja incomparavelmente melhor; mas “wins“?!

E quer coisa mais legal do que as palavras em português que surgiram como aportuguesamento de palavras em inglês? “Futebol”, “beque”, “pênalti”…

13 de maio de 2012, 11:04

Betty Feitoza (6)

Estou rindo muito do Roten Fish!

Tá, mas o que significa Copan?

24 de maio de 2012, 1:50

Alexandre Giesbrecht

Olá, Betty. Você refere-se ao Edifício Copan, certo? Copan é como era conhecida a Companhia Pan-Americana de Hotéis e Turismo, que desenvolveu o projeto do edifício.

24 de maio de 2012, 7:48

Betty Feitoza (6)

Ah, tá! eu morei 10 anos do lado dele e não sabia o significado do nome! Valeu!

3 de junho de 2012, 23:58

Robson Oliveira (1)

A questão do nome estrangeiro, apesar de incomodar um pouco, é uma tendência. A Globalização trazida pelo advento da internet acelerou isso. Antigamente os ricos traziam as novidades da Europa, principalmente da França. Nomes franceses eram incorporados a produtos, pessoas, empreendimentos e por aí vai. Não concordo, de fato, com a questão da perda da identidade a ponto de colocar apenas brancos e loirinhos em anúncios. Os bancos de imagens, que hoje são largamente utilizados para este fim, ou seja, ilustrar anúncios e campanhas, são a alegria das agências de propaganda. Imagens fartas, para escolher e baixar rapidamente a um custo ridículo, tiraram o emprego de muitos fotógrafos mundo afora. Os mesmos bancos de imagens dão pouquíssimas opções de, por exemplo, negros e latinos. Muitas vezes as agências ficam sem muitas opções. De qualquer forma, acho a observação muito válida. Trabalho em uma agência especializada em marketing imobiliário e em todas as campanhas utilizamos pessoas de diversas origens para compor as páginas. Essa sempre foi nossa preocupação. Não ter campanhas tendenciosas a um grupo étnico específico. Quanto aos nomes em outros idiomas, acho que o Brasil é uma grande mistura cultural. Sempre foi. Concordo que podemos explorar mais a nossa língua nos produtos, mas acho que antes disso, o brasileiro tem que ter mais orgulho de seu país.

27 de junho de 2012, 13:16

Alexandre Giesbrecht

Olá, Robson. A questão nem é só os nomes estrangeiros, mas a falta de criatividade neles (e nos nacionais também), como no exemplo que dei do “Central Park” na Vila Carrão. Há palavras lindas e com significados ainda mais bonitos em diversas línguas. O problemas é que não são conhecidas do grande público. O lançamento “SP4U”, aqui no Bixiga, tem um nome que não significa nada para a maioria das pessoas. Aposto que há mais pessoas que sabem que ele fica onde havia uma “casa de tolerância” do que pessoas que sabem o que quer dizer “esse-pê-quatro-u”. Se a sua agência conseguir um dia emplacar algo similar a “Edifício da Vovó e do Vovô”, vou virar fã na mesma hora! hehehehehe

28 de junho de 2012, 9:56

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Quem?

Alexandre Giesbrecht nasceu em São Paulo, em abril de 1976, e mora no bairro do Bixiga. Publicitário formado pela Escola Superior de Propaganda e Marketing, é autor do livro São Paulo Campeão Brasileiro 1977 (edição do autor).

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