Pseudopapel

A Passarela das Noivas

Passarela das Noivas, na Avenida Prestes Maia

Neste mês precisei ir duas vezes à Rua Florêncio de Abreu, na Luz. Na primeira eu chegaria ali pela Estação da Luz e poderia fazer a baldeação para a Linha 1 do Metrô, saindo já do outro lado da Avenida Prestes Maia, a um quarteirão do local aonde eu precisava ir. O problema é que a baldeação na Luz é um inferno. Então resolvi sair da estação da CPTM pela Rua Mauá e cruzar a Prestes Maia pela Passarela das Noivas. Conhecida por esse nome, na verdade sua denominação oficial é Passarela Rua das Noivas, como indicam as duas placas afixadas nela, visíveis por quem passa de carro pelas pistas abaixo.

As mesmas placas informam que a passarela foi inaugurada em 1 de agosto de 1996, na segunda e última gestão de Paulo Maluf, cujas obras dessa época ganharam placas indicando a data de inauguração, o que acho importante para a memória da cidade. É mais ou menos na altura da passarela que a Avenida Prestes Maia muda de nome para Avenida Tiradentes no sentido da zona norte. Apesar do nome, não existe nas imediações nenhuma Rua das Noivas — pelo que pesquisei, não existe sequer uma rua com esse nome no Brasil, e a única que encontrei fica em Paços de Ferreira, Portugal. O nome deriva do apelido dado à Rua São Caetano, uma travessa da Avenida Tiradentes famosa por concentrar diversas lojas de vestidos de noivas e similares. O que não está nas placas é que, só no trecho sobre as avenidas, a passarela tem 48 metros de extensão, com uma largura máxima de 3,7 metros.

Comerciantes da Rua São Caetano, aparentemente felizes com a passarela, deram no dia da solenidade de inauguração buquês de flores a Maluf, entregues por modelos vestidas de noivas. Mas nem tudo era festa: os conselhos municipal e estadual de preservação ao patrimônio histórico reclamaram, em reportagem da Folha de S. Paulo, que só foram consultados na fase inicial do projeto e que não chegaram a dar o aval para a obra. O problema é que a área onde foi erguida a passarela é protegida pelos tombamentos da Estação da Luz, do Parque da Luz e da Igreja de São Cristóvão. Maluf deu de ombros — “Entre a estação tombada e atropelar três pessoas por dia, prefiro que ninguém seja atropelado”, afirmou o então prefeito —, mas seu secretário de Vias Públicas, Reynaldo de Barros (prefeito à época do Buraco do Sobrinho), avisou: “Se o Conpresp [órgão municipal de preservação do patrimônio] entender que [a passarela é irregular], a gente manda derrubá-la.” Excesso de zelo, felizmente: quinze anos depois, acho que já está provado que a passarela em nada influiu em nenhum dos três patrimônios tombados.

A Passarela das Noivas, entretanto, está bem longe de ser considerada um local seguro, apesar das promessas na época da inauguração. “A obra conta com iluminação externa e interna, para facilitar a circulação de pedestres à noite”, escreveu a Folha de S. Paulo no dia da inauguração, quinze anos atrás. “A passarela deve proporcionar segurança aos usuários da estação de trem e do metrô Luz.” Reportagem do Jornal da Tarde em março falou sobre a (falta de) segurança por ali, destacando que o número de casos registrados pela polícia só era baixo porque a grande maioria das pessoas não registrava ocorrência devido ao baixo valor normalmente roubado. “Tem sempre uns desocupados”, disse ao JT um estudante que caminhava pela passarela. “Parece que escolhem as pessoas para roubar. Conheço três pessoas que foram assaltadas aqui neste mês.” Mais recentemente, em setembro, o Diário do Comércio publicou reportagem que chegou às mesmas conclusões. Em agosto o Destak também falou brevemente sobre a segurança por ali em reportagem sobre problemas parecidos na passarela ao lado do Aeroporto de Congonhas. Ou seja, é notório que há um problema, mas ele é ignorado.

Estação da Luz vista da Passarela das Noivas

Daí minha insegurança quando resolvi passar por lá. A Avenida Prestes Maia, como um todo, parece quase abandonada. Por ser uma via expressa, sem semáforos, os carros que ali passam só não estão próximos do limite de velocidade (ridículos 60 km/h) nas muitas vezes em que a via está congestionada. A paisagem em volta não é nada convidativa aos olhares. Prédios abandonados e muito lixo são o que mais se vê. Ainda assim, quem sobe na passarela tem uma vista que, justamente por causa do abandono e consequente insegurança do local, poucos têm. Mesmo quem passa lá com frequência muitas vezes está com pressa e medo de fazer parte da lista de vítimas de assalto. Não que seja uma maravilha, porque não é. Mas é uma vista que oferece um panorama mais completo da região. E ela é um dos poucos lugares de onde se pode contemplar a beleza da arquitetura da Estação da Luz de longe e do alto ao mesmo tempo, como se vê acima — com a torre da Estação Júlio Prestes, à esquerda, de brinde.

Para quem olhar na direção da zona norte, a Avenida Tiradentes domina a vista, como na foto abaixo, mas há poucos prédios altos e é possível enxergar-se até o outro lado do Rio Tietê. As grades verdes nas bordas da foto delimitam as áreas pertencentes à CPTM. A Linha 11 passa ali embaixo; a Linha 10 passava, até julho (e talvez nunca mais passe, o que ainda vai gerar um texto aqui). À esquerda, a Pinacoteca. À direita, a Mitra Arquidiocesana de São Paulo e a Igreja de São Cristóvão., que ficam no quarteirão entre as ruas Vinte e Cinco de Janeiro e São Caetano — a Rua das Noivas. Esta começa onde se vê uma placa verde à esquerda da Mitra.

Avenida Tiradentes, rumo à zona norte, vista da Passarela das Noivas

Do outro lado da passarela, a vista na direção do centro, mostrada na foto abaixo, é completamente diferente. Vê-se exatamente três árvores nada frondosas, contra as várias que se enfileiram na direção da zona norte. Prédios altos dominam a paisagem, encimados pelo Edifício Altino Arantes, mais conhecido como Edifício do Banespa, atrás do segundo poste de luz. À direita, o Edifício Prestes Maia, arranha-céu da Companhia Nacional de Tecidos, cujo letreiro ainda existe na entrada pela Rua Brigadeiro Tobias, é um retrato da cidade. Abandonado há anos, foi invadido em 3 de novembro de 2002. Reportagem publicada na edição número 9 da revista Rolling Stone, em junho de 2007 (sem versão online), mostrou o cotidiano das mais de 1,6 mil pessoas que lá viviam (ainda vivem?), de maneira precária, mas “gratuita” — o empresário Jorge Hamuche, um dos donos do edifício, disse à RS: “Se eles nos pagassem ao menos o valor do imposto predial, nós os deixaríamos lá ad æternum.” Na minha foto, vê-se o estado atual do edifício, com montes de lixo na calçada à sua frente. Apesar do pessoal no ponto de ônibus ali próximo, a afirmação de que a Prestes Maia é uma avenida exclusivamente de veículos automotores é exata.

Avenida Prestes Maia, vista da Passarela das Noivas

Sendo a Prestes Maia uma avenida tão inóspita a pedestres e moradores, não é de se admirar que a maioria dos transeuntes prefira atravessá-la por baixo da terra, pelo Metrô, deixando a Passarela das Noivas para os poucos aventureiros que se atrevem a encará-la.

6 comentários

Zé Maria Aquino (67)

Além da bela Estação da Luz, obra de ingleses, há, numa travessa da rua Mauá, ali pertinho, a Vila dos Ingleses, com casas de estilo, onde moravam os funcionários que projetaram e construiram a estação (segundo me disseram quando morei ali perto, numa vila da rua Antonio Paes, no início dos anos 50). Vale a pena ver o conjunto de casas, um pedacinho da Inglaterra junto à Luz.

26 de dezembro de 2011, 9:50

Alexandre Giesbrecht

Sempre fico me perguntando se a Vila dos Ingleses não é esta ruela que fotografei em 2010, bem ao lado da linha e próxima da Estação da Luz. Será que é?

26 de dezembro de 2011, 10:53

Ralph Giesbrecht (42)

É, por que o Hamuche não dá o aluguel de graça, com uma cláusula de que eles precisariam pagar o imposto e manter limpa a calçada? Obrigações esses inúteis não querem.

26 de dezembro de 2011, 16:12

Adriano Matos (4)

É incrível como essa passarela nos dá duas vistas tão diferentes !!
Já passei algum tempo admirando a vista ali também ;)

29 de dezembro de 2011, 22:00

Alexandre Giesbrecht

Verdade, Adriano. Mas eu não passei muito tempo contemplando, não. Preciso ainda me acostumar ali antes de pensar em me sentir seguro. :)

29 de dezembro de 2011, 23:22

Erivelto ou 1pirado (14)

A loja onde trabalho fica na Rua São Caetano (não, não trabalho com vestuário ou relacionados) e todos os dias dou preferência a subir uma escada de 4 lances passando as catracas que ficam a esquerda de quem desce as escadas rolantes das plataformas 2 e 3 para não ter de passar por tantos bloqueios e algumas vezes dar “encontrões” com outros transeuntes. Com isso, sou usuário assíduo da passarela que, por vezes, prefiro até utilizar em dias chuvosos! Você citou tudo que há por ali; faltou só algum camelô (?) que muitas vezes está na última curva para quem está descendo no sentido da Florêncio de Abreu. Graças a Deus assaltos também nunca presenciei. Algo que já vi muitas vezes ali são pessoas tirando fotos em cima da passarela, tanto na direção da estação da Luz como do próprio edifício da Companhia Nacional de Tecidos (hoje mesmo voltando do trabalho vi um trio fazendo isso, na direção do edifício) e elas não parecem se importar com toda bagunça lá existente. Também não sou fã do Maluf, nem do “tema” cunhado pelo povo e que uns tantos aprovam (“…, mas faz”!), porém ressalto o que você escreveu na matéria: a passarela em nada afeta os prédios tombados na área e também é interessante notar que se todas as pessoas precisassem atravessar a Prestes Maia, de ambos os lados, teriam de ir até a Senador Queirós ou até o semáforo da João Teodoro. Convenhamos que para alguns algo do tipo não é nada prático e duvido muito que o governo tenha algum plano para facilitar a vida de quem tem de ir para o outro lado da Tiradentes/Prestes Maia naquela altura (na estação Tiradentes dá para passar por baixo) e por isso esta passarela, com seus problemas e tudo mais, foi muito bem-vinda!

27 de julho de 2012, 21:29

Escreva seu comentário

Nome:
Obrigatório.
E-mail:
Obrigatório; não será publicado.
Website:
Comentário:

Busca

RSS

Assine aqui.

Tempo de resposta

80 queries em 1,366 segundos.

Licença

Textos e fotos aqui publicados são liberados em Creative Commons sob a licença Attribution 3.0 Unported. Isso significa que podem ser usados em qualquer projeto, comercial ou não, desde que sejam creditados como "Alexandre Giesbrecht". Um link para cá é bem-vindo, assim como um aviso de que o material foi usado.

Quem?

Alexandre Giesbrecht nasceu em São Paulo, em abril de 1976, e mora no bairro do Bixiga. Publicitário formado pela Escola Superior de Propaganda e Marketing, é autor do livro São Paulo Campeão Brasileiro 1977 (edição do autor).

Outros projetos

Links