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Últimas casas da Rua Martins Fontes ameaçadas

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Atualização (28/1/2013, 18h20): Passando em frente à casa da Rua Martins Fontes, 295 (que, quando inteira, era essa da foto aí de cima) hoje pela manhã, constatei que o que era apenas uma ameaça em setembro passado virou realidade. A demolição já está iniciada, e pouco sobrou do segundo andar. Provavelmente nada mais vai restar quando virar o mês. Mais um exemplo da triste realidade que assombra as casas em ruas privilegiadas do centro expandido paulistano e até de outros locais, dada a sanha de quem só se preocupa em vender novos imóveis e não em dar qualidade de vida a quem os compra. Afinal, não esqueçamos que a infraestrutura dos bairros não acompanha o crescimento da população. Pelo contrário: boa parte dela está estática há décadas. E a memória da cidade segue rumo ao esquecimento. Na Rua Martins Fontes, apenas uma casa restará. Por quanto tempo mais?

A foto que se segue foi tirada na manhã de hoje. Em seguida, o texto original, seguido de outras fotos de hoje.

Casa na Rua Martins Fontes, 295, começa a ser demolida

A Rua Martins Fontes corresponde ao que deveria ser o primeiro — ou último — pedaço da Rua Augusta entre as ruas da Consolação e Martinho Prado. Estando no chamado “Centro Novo”, ela foi um dos primeiros alvos da especulação imobiliária verticalizante em São Paulo, já nos anos 1940, como comprova o anúncio ao lado, publicado na Folha da Manhã em 2 de março de 1947. (O prédio do anúncio, aliás, está de pé até hoje, embora não seja mais residencial e não se chame mais Edifício São Carlos. Hoje ele é um prédio comercial, com predominância de empresas da área de turismo, mas nas áreas comuns mantém o belo estilo antigo, que pode ser visto na escadaria que leva do mezanino ao térreo.)

Anúncio do Edifício São Carlos, na Rua Martins Fontes

Assim como em praticamente toda a região central, as casinhas, casas e casarões foram dando lugar a prédios cada vez mais altos. Estes, por sua vez, foram sendo abandonados, trocados por exemplares mais modernos em outras áreas da cidade, o que foi um dos fatores determinantes na degradação que o centro experimentou na segunda metade do século XX. Neste início do século XXI, entretanto, o centro volta a atrair negócios, e em São Paulo isso significa especulação imobiliária. A poucos metros da Rua Martins Fontes, na afluente Rua Álvaro de Carvalho, dois empreendimentos estão sendo levantados em uma área que dez anos atrás só atraía quem estava atrás de aluguéis baixíssimos. Como as vendas parecem ter sido boas, já que classes mais abastadas estão novamente interessadas em morar no centro, todos os imóveis da região parecem estar no alvo das incorporadoras e construtoras. O antigo Hotel Cad’Oro já foi abaixo, na Augusta com a Rua Caio Prado. A Praça Roosevelt de concreto deu ontem lugar a uma área mais aberta, o que fez com que os aluguéis nas proximidades disparassem. A metade da Rua Avanhandava próxima à Martins Fontes foi repaginada, também subindo os valores de imóveis próximos.

Tudo isso contribuiu para o interesse em imóveis da Rua Martins Fontes aumentar, mas não há muita coisa disponível por ali, pois sobraram apenas duas casas na rua, uma (belíssima) na esquina com a Rua Avanhandava e outra um pouco mais adiante, quase na esquina com a Álvaro de Carvalho, que é a foto que abre este texto, um pouco desfigurada por anos usada comercialmente. As duas estão fechadas, embora não abandonadas. A segunda parece mais ameaçada de demolição que a primeira, por dois motivos: (1) uma enorme placa de “Vende-se” em sua fachada; e (2) o prédio vizinho, o antigo Thamisa Hotel, parece estar sendo demolido, como se vê na foto abaixo.

Demolição do Thamisa Hotel, na Rua Martins Fontes

O Thamisa Hotel está fechado há mais de uma década, e curiosamente ainda é possível encontrar na internet sites oferecendo “reservas” no hotel, incluindo seu endereço, Rua Martins Fontes, 277. Em julho de 2003 ele foi lacrado com paredes de concreto, para evitar invasões de sem-teto, que naquele mês haviam invadido três prédios de hotéis abandonados na região. Como não é um prédio bonito ou histórico, não fará falta. O problema é o que virá em seu lugar: provavelmente um espigão de classe média-alta, com dezenas de apartamentos, aumentando ainda mais o adensamento do bairro, que já ganhará os emprendimentos citados anteriormente. Fórmula certeira para a piora do já caótico trânsito, isso sem falar na infaestrutura de serviços como água, esgoto e luz, especialmente os dois primeiros. E, na ânsia por mais espaço, o substituto do Thamisa Hotel possivelmente “fagocitará” a casa vizinha, deixando a Martins Fontes ainda mais triste.

Porta da casa na Rua Martins Fontes, 295

Frente da casa na Rua Martins Fontes, 295

Segundo andar da casa na Rua Martins Fontes, 295

12 comentários

Jose M. Aquino (67)

Donos e herdeiros de pequenas casas na região, chegando também ào “Bexiga”, buscaram faturar alto coma venda de suas pequenas casas para sdarem lugar a altos edifícios. Algumas ainda seristem..E a memória vai sendo apagada. abs

30 de setembro de 2012, 14:22

ralph mennucci giesbrecht (42)

A destruição de uma cidade… não se trata mais somente de um problema de memoria, mas da simples qualidade de vida nu\ma cidade com trensito demais, onde os veiculos não cabem mais na rua, metrô e CPTM não dão conta nem nunca vão dar e de privar seus habitantes de ver o horizonte tapado por muros de enormes prédios cada vez maiores.

1 de outubro de 2012, 9:08

Jose M. Aquino (67)

O progresso tem seu preço. Um preço muitas vezes exagerado, é a grande verdade. O que nos obriga, da mesma forma, a cada vez mais procurar um lado bom em tudo. Por isso, enquanto puder, irei morar em casa e não em apartamento. Ter um quintal, por menor que seja. Uma joboticabeira – mesmo que seja uma só e os passarinhos cheguem antes de mim e acabem com os frutos…abração

1 de outubro de 2012, 10:10

gilberto maluf (3)

Farei observação apenas do ponto de vista de residir em local com muito comércio . Uma vez meu filho falou que se tivesse que morar no centro de SP escolheria a avenida São Luis. Pensei comigo….se tivesse algumas choperias e um comércio intenso, só faltaria a praia para parecer Copacabana.
Neste local da Martins Fontes, já perto da rua Augusta, também não seria ruim morar, sempre levando em conta que é disso mesmo que a pessoa procura.

1 de outubro de 2012, 10:33

Alexandre Giesbrecht

Gilberto, então seu filho já pode morar na São Luís, porque ela tem comércio intenso a pouco mais de um quarteirão (ruas Sete de Abril e Dom José de Barros) e duas choperias na Galeria Metrópole (na São Luís com Praça Dom José Gaspar)!

1 de outubro de 2012, 11:27

gilberto maluf (3)

O problema é que as ruas Sete de Abril e Dom José de Barros de sabado depois do almoço até o final do domingo são desertas e inseguras.
Pelo menos era.

1 de outubro de 2012, 18:35

Jose M. Aquino (67)

O Paribar de tantas tardes fagueiras, nos tempos do EDstadão/JT ali na Major Quedinho, voltou a funcionar, no mesmo lugar. Você não encontrará lá aquelas figuras ilustres de antigamente, mas o charme é o mesmo – para quem o conheceu e para quem não era do tempo…Ali na Galeria Metrópolis, sub-solo, tinha o Sandichurra, onde Chico Buarque, ainda estudante de arquitetura no Mackenzie, tocava violão e as pessoas gravavam seus nomes na parede. Ao lado, tinha a boate Aquela Rosa Amarelo, do C arlos Paraná, aquele autor de uma das melhores músicas (meu gosto) gravadas e defendida por Roberto Carlos no Festival da Record, mas que ele não canta mais. Diz. “Morreu Maria, quando a folia, …E foi de cinza seu enxoval…. Viveu apenas no Carnaval…”QWue belos tempos

2 de outubro de 2012, 13:12

Ricardo Amaral (1)

O que não entendo é porque os novos edifícios não buscam um mínimo de coesão arquitetônica, ou um diálogo com a região em termos de arquitetura? É sempre uma mesmice envidraçada, sem qualquer conceito, ou então aquele terror neo-clássico. A arquitetura no Brasil é abaixo da crítica.

28 de janeiro de 2013, 21:35

Alan (1)

Interessante… mas estão se esquecendo da metade abandonada do velho hospital que fica bem em frente…. Cheio de trombadas que a noite fazem furtos na regiao como eu CANSEI de ver e até de fugir…

28 de janeiro de 2013, 22:14

Simone Catto (1)

Toda vez que leio a notícia de que uma casa antiga está indo para o chão fico com o coração partido! E assim Sampa vai perdendo sua memória… Por falar nisso, outro dia passei em frente à linda casa que abrigava o restaurante “Pão com Manteiga”, na Rua Haddock Lobo, 141, e tomei um susto… o que aconteceu com ela? Será que também veio abaixo? :((

28 de janeiro de 2013, 22:55

Alexandre Giesbrecht

É, Simone. O Pão com Manteiga também veio abaixo. Uma pena. Mais detalhes nesta página do São Paulo Antiga.

29 de janeiro de 2013, 9:57

Jose M. Aquino (67)

No Rio, o governador queria colocar abaixo o Museu do Índio para erguer um estacionamento – ou coisa do gênero – no local, visando a Copa do Mundo. Ainda bem que os indigenas, que nesse ponto são mais sábios e honestos, lutaram contra e, parece, o projeto está sendo arquivado. abs

29 de janeiro de 2013, 10:16

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Quem?

Alexandre Giesbrecht nasceu em São Paulo, em abril de 1976, e mora no bairro do Bixiga. Publicitário formado pela Escola Superior de Propaganda e Marketing, é autor do livro São Paulo Campeão Brasileiro 1977 (edição do autor).

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