Pseudopapel

CPTM e trens portenhos: diferenças e semelhanças

Passagem de nível na Gorriti, em Palermo, Buenos Aires

Anteontem houve um desastre envolvendo um trem metropolitano e um ônibus em Buenos Aires, com onze mortos e 228 feridos, em uma das passagens de nível da capital argentina. Foi o pior acidente ferroviário naquela cidade desde 11 de junho de 1962, quando uma composição da Belgrano Sur atingiu um ônibus escolar que transportava 120 crianças, das quais 31 morreram, além do motorista e de uma monitora. No momento da colisão uma forte névoa que impediu que o motorista do coletivo visse o trem se aproximar.

Enquanto na cidade São Paulo as passagens de nível foram praticamente extintas — a única exceção é a passagem de nível ao lado da Estação Água Branca, cuja foto está reproduzida abaixo —, na cidade de Buenos Aires ainda há cerca de cem, além de outras mais de trezentas na região metropolitana. Segundo agências de notícias, só no ano passado 165 veículos foram atingidos por composições naquela cidade, provocando 269 mortes. Esse tipo de acidente tem sido muito mais raro no estado de São Paulo. Não tenho números a respeito, mas lembro-me de poucos acidentes similares sendo noticiados por aqui nos últimos tempos. Entretanto, nos anos 1970 e 1980 acidentes nas linhas do que hoje é a CPTM não eram incomuns.

Trem da CPTM deixa a estação Água Branca

Passei por algumas das passagens de nível na minha viagem a Buenos Aires em outubro do ano passado. Nenhuma delas na linha onde o acidente de terça-feira ocorreu, mas em Palermo, em uma das linhas que levam a Retiro. A passagem do cruzamento da Línea San Martín com a rua Gorriti, mostrada na foto que abre este texto, era bem sinalizada e as cancelas pareciam estar funcionando bem, ao contrário da cancela do acidente de anteontem, que não se tinha fechado totalmente. Um quarteirão a noroeste, outra passagem de nível, na rua Honduras, tinha as mesmas condições, aparentemente normais. Eu poderia citar as outras por onde passei, a pé, de carro ou de trem, mas nada me chamou a atenção em nenhuma delas, e acho que nem poderia ser de outra maneira, a não ser que fosse algo muito gritante, afinal não sou nenhum especialista.

A história das ferrovias argentinas começa praticamente ao mesmo tempo que a das ferrovias brasileiras. Ou seja, há cerca de um século e meio. Assim como em São Paulo, boa parte dos trechos que hoje estão praticamente no centro da cidade ainda não estava urbanizado. Com o crescimento da cidade, várias obras de grande porte se fizeram necessárias, e elas foram feitas, com rebaixamento ou elevação de nível. O problema é que em Buenos Aires esse tipo de obra praticamente cessou ainda nos anos 1920. Só na década de 1980 voltaram a abordar o problema, mas com obras menores e localizadas, como a construção de túneis e pontes em cruzamentos de maior movimento. Se o custo era muito menor, ainda assim não era viável abordar a situação em todos os cruzamentos da cidade, daí ainda haver uma centena de passagens de nível por ali (essa solução “ponto-a-ponto” é a que tem sido utilizada pela CPTM, como o viaduto na Estação Jaraguá). Isso sem falar em obras paralisadas por decisão judicial, como as onze citadas pela prefeitura local em um comunicado emitido pouco depois da tragédia de ontem.

Outra coincidência entre os sistemas portenho e paulistano é que em Buenos Aires também se fala em aterramento das vias férreas. Aqui é coisa recente, e ainda falta muito para que saia do papel, se é que vai sair. Lá é assunto que começou a ser estudado há mais de quarenta anos. O projeto atual para a Línea Sarmiento (onde ocorreu o acidente), embora de dez anos atrás, só foi licitado em 2006. No consórcio vencedor está a brasileira Odebrecht. O custo total está estimado em onze bilhões de pesos, ou 4,5 bilhões de reais pelo câmbio de hoje. A crise econômica mundial de 2008 e brigas políticas impediram que a obra fosse iniciada. O “tatuzão” a ser usado na escavação só chegou à Argentina na semana passada e prevê-se que, se tudo correr bem, até o fim do ano ele será estreado. O aterramento das linhas 7, 8, 10 e 11 da CPTM, entre o Brás e a Lapa? Nenhuma certeza, nenhum prazo. Não muito diferente dos hermanos.

4 comentários

Erivelto de Jesus Souza (14)

Tudo bem, passagens de nível por um motivo ou outro são causas de acidentes, porém não deixo de ter saudade das muitas vezes em que passei pelo centro de Itaquera, o bairro onde moro, e tínhamos de aguardar a passagem do trem para atravessar par o outro lado da linha (a passarela da estação ficava um pouco mais longe): eu corria com o olharde um lado para o lado ao passar sobre os trilhos. Para mim passar por uma passagem de nível é de incomensurável nostalgia, talvez porque em minha época de infancia era muito mais gostoso de se viver. A última vez que passei por uma, já adulto, foi na do Jaraguá onde, mesmo com a cancela já baixada, as pessoas insisitam em a levantarem com as mãos por ver o trem parado na plataforma e passavam fazendo o sinal tocar até ela baixar novamente.

P.s: pergunte-me se resisti a passar por ela vendo os trens parados na plataforma.

14 de maio de 2012, 20:30

Alexandre Giesbrecht

Assim é até covardia, Erivelto! hehehehehe Passionalmente, acho que muitos sentem faltam de uma ou mais passagens de nível. Memória é seletiva, e acabamos deletando das nossas lembranças os transtornos que elas causavam, aquela vez que tivemos de esperar o trem passar quando estávamos com pressa e por aí vai. Mas você tem razão: elas tinham algo de nostálgico e eu, por exemplo, me considero uma pessoa nostálgica. Eu queria ter andado, por exemplo, nos trens da CBTU paulista, por mais desconfortável que fosse a viagem.

Ah, se você quiser passar por uma passagem de nível sem precisar ir à Argentina, pode ir à Estação Água Branca, a última que sobrou na cidade de São Paulo!

14 de maio de 2012, 21:08

Erivelto de Jesus Souza (14)

Sim, andei em trens da extinta CBTU e poucas lembranças restaram daquele tempo depois que a estação de Itaquera foi demolida para dar lugar a uma nova avenida(só alguns muros próximos a nova estação de Itaquera onde em baixo relevo se vê a logomarca da empresa e um trecho de trilhos e postes de rede aérea esquecidos na direção da nova Radial Leste que era por onde o trem passava). Gostaria muito de ter feito passeios de trem em direção ao litoral e sempre que vou a Paranapiacaba percebo o suspirar de outros tempos pela saudade que este tempo que não vivi em mim provoca.
Quantos as passagens de nível, existia em minha lembrança uma até mais próxima, ao lado da estação Capuava, porém sei que foi contruído um viaduto próximo, porém naquela ocasião a referida passagem ainda podia ser utilizada.

15 de maio de 2012, 20:16

Alexandre Giesbrecht

Não sei dizer se em Capuava ainda há a passagem de nível. Mas em Água Branca ela ainda está lá e não parece haver planos para desativarem-na. Talvez quando a estação de Metrô ali ficar pronta? Ou talvez não, já que do outro lado da passagem de nível há apenas duas ruas, e ambas terminam no muro da Linha 8 da CPTM. Apesar disso, curiosamente não é raro ver carros parados esperando o trem passar.

15 de maio de 2012, 20:29

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Quem?

Alexandre Giesbrecht nasceu em São Paulo, em abril de 1976, e mora no bairro do Bixiga. Publicitário formado pela Escola Superior de Propaganda e Marketing, é autor do livro São Paulo Campeão Brasileiro 1977 (edição do autor).

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