Pseudopapel

25 de janeiro de 1979

Inauguração da Estação Osasco da CPTM

Até janeiro de 1979 a linha da Sorocabana, operada pela Fepasa e hoje conhecida como Linha 8-Diamante da CPTM, era atendida por trinta composições japonesas com mais de vinte anos de uso, já sem portas e sem vidros nas janelas, que deveriam ter um intervalo de quinze minutos entre cada trem, mas que dificilmente demoravam menos de meia hora para aparecer. Isso sem falar nos assaltos durante as viagens e nos chamados “pingentes”, os passageiros que viajavam pendurados nos trens — só em 1978 mais de cem deles tinham morrido devido a quedas. A ideia divulgada pela Fepasa era mudar essa situação com o chamado Plano de Modernização, cuja primeira fase, envolvendo a aquisição de novos trens e a reforma de diversas estações, seria concluída oficialmente em 25 de janeiro de 1979, aniversário de 425 da cidade de São Paulo.

A cerimônia começou com quinze minutos de atraso, às 10h30 da manhã, no saguão principal da Estação Júlio Prestes, com a presença de autoridades estaduais e federais, e só deveria terminar algumas horas depois, no pátio de manobras da Fepasa, em Presidente Altino, no município de Osasco, onde haveria um churrasco com mais de uma tonelada de carne, entre contra-filé e linguiça, oito mil pães, quatro mil refrigerantes e setecentos litros de chope, para alimentar cerca de duas mil pessoas, do povão e funcionários da Fepasa às autoridades. Quer dizer, o povão estava separado das autoridades desde a Júlio Prestes, onde um cordão de isolamento já estava preparado desde as primeiras horas da manhã, e o quarto carro do primeiro dos novos trens a operar oficialmente. Na área do churrasco uma faixa saudava o ministro dos Transportes do governo Geisel, Dirceu Nogueira, que deu o cano, mandando apenas um representante.

Autoridades embarcam na Estação Júlio Prestes
Embarque na Júlio Prestes para a viagem inaugural do Projeto de Modernização da Fepasa
Foto: reprodução Diário Popular

Autoridade, claro, adora um discurso, e ao longo da solenidade foram seis deles e não pôde faltar nem a outorga do título de “cidadão osasquense” a Egydio. Nos discursos, o enaltecimento do investimento de 750 milhões de dólares numa obra de “valor social” e as onipresentes promessas que deixariam de ser cumpridas, como a de extensão dos serviços de subúrbio, como eram chamados os trens metropolitanos, até Sorocaba no máximo até 1990 — o que se veria, ainda nos anos 1980, seria a diminuição da linha. Nos discursos também falou-se de, no futuro, “aumentar as restrições ao tráfego de veículos particulares na área do centro expandido”, defendida pelo então governador Paulo Egydio. Para ele, isso deveria acontecer “quando tivermos uma rede de transportes coletivos aceitável”. O rodízio de veículos seria implantado em São Paulo apenas dezoito anos depois, mas sem a tal rede de transportes coletivos aceitável.

Ao longo dos 25 primeiros quilômetros da linha, da Júlio Prestes à Estação Santa Terezinha (as estações seguintes e as da atual Linha 9-Esmeralda da CPTM seriam entregues mais tarde), a linha seria totalmente remodelada, dos trilhos e sinalização a uma nova concepção arquitetônica para as estações, reconstruídas com material pré-fabricado. Houve até um projeto paisagístico, para melhorar a vista que se tinha a partir dos trens no primeiro trecho, que se resumia a muros escuros e encardidos, fundos de fábricas e casas, faces opostas de outdoors e até telhas de galinheiros.

Esse projeto paisagístico previa a pintura de painéis nos muros com formas simbolizando igrejas, fábricas, lojas, escolas e armazéns, mas acabou limitada à pintura em tons de ocre do trecho de 6,5 quilômetros entre as estações Júlio Prestes e Lapa, feita em caráter de urgência para a inauguração do dia 25. A intenção da Fepasa era “atenuar impressão ofensiva” do trecho, chamado de “túnel” devido à proximidade dos muros. Curiosamente, o trecho inaugurado naquele dia tinha eliminado todas as doze passagens de nível para pedestres e dezesseis para carros, substituídas por passarelas e viadutos.

Os novos carros eram considerados semelhantes aos trens japoneses que foram aposentados, embora passassem a ter bitola de 1,6 metro, suspensão pneumática, bancos de fiberglass, janelas de plástico “inquebrável”, portas automáticas, sistemas de som e ventilação, isolamento acústico e acabamento em aço inoxidável. A velocidade de operação passaria a ser de 90 quilômetros por hora, velocidade esta que poderia ser atingida em cinquenta segundos, com parada total em 31 segundos. Os trens japoneses deveriam ser desativados até outubro, passando por reformas para atender a cidades médias do interior, o que não sei se ocorreu. Considerando-se a história ferroviária recente do Brasil, duvido.

Nas estações, a grande novidade seriam as escadas rolantes nas estações Osasco e Comandante Sampaio. Todas as estações novas estavam programadas para ter, em curto prazo, bloqueio eletrônico para bilhetes magnetizados. Sem eles, a evasão de renda era constante ao longo de toda a via. “Somente o chão não é novo neste [projeto]“, vangloriou-se Egydio.

O custo total da obra foi maior que o das construções das contemporâneas rodovias dos Imigrantes e dos Bandeirantes juntas e maior também que o da Linha 1-Azul do Metrô, inaugurada cinco anos antes. O já citado “valor social” foi enfatizado pelo governo, que insistia não esperar retorno do investimento.

Demagogias à parte, não deixa de ser impressionante o fato de toda a obra (incluindo a reforma das estações, a troca de bitola e a implantação da via aérea eletrificada) ter sido feita sem a interrupção do serviço, por mais que esse serviço fosse decadente, atrasado e perigoso para os usuários. Mas as melhorias previstas, se chegaram a dar algum resultado, não foi por muito tempo. Previa-se que o intervalo entre as composições passaria a ser de três minutos, mas esse objetivo não foi alcançado até hoje, mais de trinta anos depois. Também falava-se no fim dos “pingentes”, mas isso só seria conseguido mais de uma década depois, quando foi criada a CPTM.


Anúncio dos novos trens publicado no Jornal da Tarde em 25 de janeiro de 1979
Foto: reprodução Jornal da Tarde

6 comentários

Tweets that mention Pseudopapel » 25 de janeiro de 1979 -- Topsy.com (4)

[...] This post was mentioned on Twitter by Usuário da CPTM, Usuário da CPTM. Usuário da CPTM said: 25 de janeiro de 1979, por @agiesbrecht e seu Pseudopapel: http://mauaen.se/aK0LrA (já virei fã!) [...]

5 de agosto de 2010, 12:12

Universo Paralelo (1)

peguei esse mesmo trem ontem… n acredito q essa lata de atum véio tem 30 anos…

taquipariu…

5 de agosto de 2010, 16:06

Alexandre Giesbrecht

O pior é que, com os olhos de hoje, quem vê o anúncio aí em cima não consegue de jeito nenhum enxergar o trem como novo. É como ver um anúncio de uma Brasília 1976!

5 de agosto de 2010, 17:19

Sandro Luiz (1)

Pode falar o que for do trem, mas ele é o mais eficiente da CPTM. É o que menos tem problema de pane e a linha que parte de Júlio prestes é a mais civilizada.

20 de novembro de 2010, 15:02

Rodinei Campos da Silveira (2)

Andei muito nesta máquina, carinhosamente chamada de “Fepasão”.

3 de março de 2016, 11:25

Rodinei Campos da Silveira (2)

E hoje, nesta mesma linha (a Linha 8 – Diamante da CPTM, a tronco oeste da Fepasa – antiga Sorocabana), correm os velocíssimos trens da série 8000 da CAF, os “espanhóis de aço”.

3 de março de 2016, 11:31

Escreva seu comentário

Nome:
Obrigatório.
E-mail:
Obrigatório; não será publicado.
Website:
Comentário:

Busca

RSS

Assine aqui.

Tempo de resposta

81 queries em 1,605 segundos.

Licença

Textos e fotos aqui publicados são liberados em Creative Commons sob a licença Attribution 3.0 Unported. Isso significa que podem ser usados em qualquer projeto, comercial ou não, desde que sejam creditados como "Alexandre Giesbrecht". Um link para cá é bem-vindo, assim como um aviso de que o material foi usado.

Quem?

Alexandre Giesbrecht nasceu em São Paulo, em abril de 1976, e mora no bairro do Bixiga. Publicitário formado pela Escola Superior de Propaganda e Marketing, é autor do livro São Paulo Campeão Brasileiro 1977 (edição do autor).

Outros projetos

Links