Na semana passada, o Flavio Gomes postou em seu blog um texto sobre o primeiro jornal que ele fez, aos nove anos. Isso, claro, atiçou minha memória e cometi as (muitas) linhas abaixo, publicadas nos comentários do texto original.
Minha primeira memória também é dos nove anos de idade, um “jornal”, de cujo nome não me lembro, que publiquei durante uma viagem com meus avós a Itanhaém. O jornal já nasceu encadernado, publicado que era nas páginas de um caderno adquirido exatamente para esse fim. Alternava notícias gonzo — como a de quando meu avô foi ao mercado e esqueceu parte das compras no teto do carro, sobrando apenas o tapete de chuveiro, que ficou devidamente “grudado” — e hard news, como a explosão da Challenger, ocorrida naqueles dias. É exatamente por causa dessa notícia que me lembro da minha idade.
Mas meu negócio, mesmo, era desenhar histórias em quadrinhos, apesar de eu ser um péssimo desenhista. Segui nessa toada até os catorze anos, graças à inspiração das histórias em quadrinhos desenhadas pelo meu pai na infância e adolescência. Tenho até hoje várias das revistas que ele publicou, acho que entre 1963 e 1970. Embora houvesse vários números acima do cem, desconfio que ele pulou alguns números. A coleção segue praticamente completa até por volta do número 80, depois começam a aparecer “buracos”.
A minha coleção foi muito menos longa, embora mais vasta, pois eu tinha umas quatro ou cinco publicações concomitantes. Eu fazia no mesmo esquema que o meu pai, colorindo apenas a capa e uma ou outra página interna, mais ou menos como era O Pato Donald nos anos 1950. Eram as referências do meu pai e também as minhas, já que ele mantém até hoje a coleção do Pato completa do número 1 ao 1900, mais ou menos.
Mas chegou uma hora em que percebi que desenhava como uma criança de seis ou sete anos, embora já tivesse quase quinze. Cessei as publicações de quadrinhos, embora não tenha fechado a editora, afinal eu orgulhava-me de tê-la fundado em 1981, dez anos antes, e não poderia deixá-la morrer. Eu só nunca consegui uma explicação da data. Em 1981, eu já sabia escrever, é verdade, e escrevia livros e desenhava histórias em quadrinhos, da maneira como se espera que uma criança de cinco anos o faça, mas não me lembro de ter inventado o nome de uma editora até, sei lá, uns dois ou três anos depois. Mas eu tinha definido que a data de fundação era em 1981, e, naqueles tempos, minha palavra era final na Editora Matriz.
A empreitada seguinte da editora serviria para suprir uma lacuna na minha vida, criada quando a Placar cessou suas publicações semanais, em agosto de 1990. A Matriz, claro, seria a responsável por uma revista que fizesse o mesmo papel. O nome, por mero acaso, era um sinônimo de “placar”: Escore. Mas havia um problema: devido ao Plano Collor, não havia verba para mandar fotógrafos aos estádios e coisa e tal nem para comprar material de agências. Ok, talvez o Plano Collor não tivesse nada a ver com isso, mas fica mais legal contando assim.
Então, em vez de cobrir o Campeonato Brasileiro de Futebol, a Escore passou a cobrir o Campeonato Brasileiro de Futebol… de Botão, realizado no meu quarto, mesmo. Como eu sempre quisera ver um campeonato em pontos corridos, o meu Brasileiro era assim, com oito clubes disputando o título. Havia até uma segunda divisão, uma Copa do Brasil e campeonatos regionais e estaduais. E a revista seguiu firme e forte, semanalmente, por mais de cinquenta edições. Confesso que o “forte” devia-se mais aos excelentes desenhos do meu vizinho Zé do que ao meu talento jornalístico. Acho que tenho todas as edições, guardadas em algum armário inacessível na casa dos meus pais.
Um ano após o fim da Escore, chegou o primeiro computador em casa. Para mim, a maior utilidade seria diagramar minhas revistas. No começo, eu usava o Paintbrush, mesmo. Imagine minha surpresa ao descobrir que dava para fazer em formato de papel, mesmo, em vez do formato padrão que o programa abriu para as primeiras edições publicadas. Eu pegava os cliparts que vinham com o Windows 3.1 e espalhava-os pelas páginas. A imagem que abre este texto dá a dimensão do que era essa fase. As tábuas de classificação eram especialmente difíceis de ser feitas!
Algum tempo depois, migrei para o Word. Para ter certeza de como poderia usá-lo com mais de uma coluna por página, passei dias tentando diagramar uma página do Estadão no Word. Por incrível que pareça, deu certo, e pude diagramar a nova revista esportiva da Editora Matriz, no Word: a Goleada. Seu auge foi em 1995, quando em várias segundas e terças eu dava um jeito de ir à Praça da República, para comprar jornais de outros estados e até de outros países. Eles serviriam de fonte para textos, fichas técnicas e fotos, escaneadas para entrar na edição daquela semana. Àquela altura, a cobertura tinha deixado os campeonatos de botão e resumia-se apenas ao bom e velho futebol profissional.
Não é difícil imaginar que, apesar de a publicação supostamente ser semanal, devido a todo esse processo e à quantidade de páginas, eu levava muito mais que uma semana para escrever cada uma delas, então elas saíam meio que mensalmente ou bimestralmente, dependendo de quantas provas eu tivesse na faculdade. Obviamente, eu pulava os números. Assim, por exemplo, o número 48 foi seguido, acho, pelo 53 ou algo do tipo.
Folheando alguma revista, descobri que a Microsoft estava lançando um programa para diagramação de páginas, chamado Publisher. Eu até lidava com PageMaker na faculdade, mas ele era caríssimo e eu não tinha como comprar. O Publisher custou-me R$ 120 na época (começo de 1996), tirados do meu primeiro salário em uma editora (como contato comercial). Mas, no fim das contas, usei-o muito pouco para diagramar revistas. Ele foi muito mais útil para diagramar trabalhos de faculdade, embora meus colegas de grupo sempre odiassem quando eu tentava fazer trabalhos com mais de uma coluna por página.
Minha relação com diagramação passou a ser exclusivamente por hobby. Sim, eu diagramo revistas como passatempo. Outro dia, mesmo, peguei o álbum de figurinhas da Copa União de 1988 — o Brasileiro daquele ano realmente chegou a ser conhecido assim, apesar de muita gente achar que Copa União foi só a de 1987 — e rediagramei, no InDesign, duas páginas. Apenas escaneei as figurinhas, que entraram no layout exatamente como foram coladas no meu álbum original, ainda comigo, embora com a capa colada com durex e maltratado pelo tempo.
Havia outras memórias menos detalhadas, mas o texto já estava longo demais e parou por aí. Pelo visto, isto é o menos prolixo que consigo ser em um assunto tão apaixonante, que também faz parte da minha infância e adolescência.
Caramba,
vc cavocou minha memória, eu me lembro dessa Ed. Matriz! Abç…
Afinal, como você poderia esquecer de um conglomerado empresarial de tanto sucesso?
Legal; Em termos de desenhar, você puxou seu pai (eu). Ou seja, desenhava mal.
Interessante. É preciso realmente ter queda para o assunto. Impressionante é a coleção dos Patos do número 1 ao 1900. Desde 1953, se não me engano.
É verdade. E os primeiros números tinham formato grande. Eu tenho vários Pato Donald entre 1959 e 1961. Como era simplório o Donald. Certa vez ele entrou na caixa forte do Patinhas e falou: Tio, a partir de agora vou tomar conta dos seus negócios. Virei a página e vi o Patinhas rolando no chão de rir. abs
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Alexandre Giesbrecht nasceu em São Paulo, em abril de 1976, e mora no bairro do Bixiga. Publicitário formado pela Escola Superior de Propaganda e Marketing, é autor do livro São Paulo Campeão Brasileiro 1977 (edição do autor).