Pseudopapel

Vices invisíveis

É impressionante como os políticos e a mídia tratam as eleições de outubro como se estivéssemos nos Estados Unidos. As escolhas dos vices de cada uma das três principais candidaturas é tratada como se uma generosa parcela do eleitorado estivesse interessada. O que esse pessoal parece não perceber é que, a não ser que o vice de alguma das candidaturas seja um tal de Luís Inácio Lula da Silva, ninguém está nem aí para quem é o vice de candidato algum.

A Folha de S. Paulo publicou hoje uma pesquisa sobre vices, e 17% (um número que considero até mais alto do que a realidade) dizem que levam muito em conta o vice na hora de votar, enquanto para 58% o vice é irrelevante. O jornal também perguntou aos pesquisados se sabiam quem eram os vices de cada candidato, e o maior índice foi de Michel Temer, o vice escolhido por Dilma Roussef, com nada mais que 6%. O vice de José Serra, Antonio Pedro de Siqueira Indio da Costa (ou simplesmente Indio da Costa, sem acentos), foi reconhecido por 4%. Já o de Marina Silva, Guilherme Leal, foi lembrado por 1% dos pesquisados, enquanto outro 1% limitou-se a chamá-lo de “Empresário da Natura”.

Ou seja, a não ser que o eleito fique incapacitado em algum momento dos próximos quatro anos, o vice nada mais é qe uma figura decorativa, escolhido para agradar algum partido coligado, sempre em nome da suposta “governabilidade”. Por toda a história entre o PMDB de Temer e o PT de Dilma, esse exemplo é o caso clássico de aliança de conveniência, mas poucas vezes tivemos uma escolha de vice tão transparente — no mau sentido — como na candidatura do PSDB.

Por meses o partido ficou cogitando a tal da “chapa puro-sangue”, com um vice do próprio PSDB. Na visão do partido, o ideal seria que o então governador de Minas Gerais, Aécio Neves, aceitasse a vaga. Apesar da insistente negação de Aécio, o partido não desistia e foi adiando sua decisão o quanto pôde. Durante esse período, os analistas políticos não se cansaram de dizer que era um tiro no pé tal demora, como se pensando que estivéssemos em um país que realmente se importa com a política. Talvez dando ouvido a esse cenário, o PSDB resolveu escolher o senador Álvaro Dias como vice de Serra, já que a lógica por trás da decisão seria tentar afastar o irmão de Dias, Osmar, da corrida ao governo do Paraná e dos palanques de Dilma. Isso supostamente valeria a Serra um milhão de votos naquele estado. Ênfase no supostamente, pois não me canso de frisar que não estamos nos Estados Unidos.

Transferência de votos existe, e pretendo tratar do assunto no futuro. Mas está longe de ser uma ciência exata. De qualquer maneira, o PSDB não precisou se preocupar muito com isso, pois a vaga de Dias não durou muito. Se o histórico da política no Brasil ensina alguma coisa, é que, se em aliados já é difícil confiar, imagine em quem não é tão aliado assim, como seria o caso de Osmar Dias. Ele manteve sua candidatura e o apoio a Dilma, e não houve por que seu irmão continuar na chapa de Serra.

A mancada estava consumada. Sim, poucos se importam com o vice, mas quando a decisão vira uma comédia teatral mais gente passa a se importar, só que pelos motivos errados. O vice “final” de Serra será o obscuro deputado Indio da Costa, do DEM (olha a “governabilidade” aí!), que até gerou algum destaque justamente pela sua obscuridade. Não deveria. Para o eleitor brasileiro, todo vice é obscuro. Ao menos até acontecer algma coisa com o titular. José Sarney, Itamar Franco e Geraldo Alckmin que o digam.

3 comentários

Cris (19)

Alguns comentários:

1- Aécio não aceitou ser vice justamente porque é uma “ave de rapina” (como bem quer dizer seu nome) e sabe que vice não significa nada aos olhos do eleitor e isso não era nem um pouco vantajoso para ele. Por isso SEMPRE disse que ele nunca ia aceitar o cargo, e achei inacreditável a insistência de alguns analistas políticos sobre o contrário. Irritante, até.

2- Você caiu na lereia de que o Álvaro Dias só foi escolhido por causa do irmão? Conversando com paranaenses, descobri que os dois são inimigos políticos desde sempre e não havia a mínima possibilidade de o Osmar apoiar o Serra por causa do Álvaro. Além disso, o Serra já tem muitos votos no Paraná independente de qualquer coisa, então não faria a menor diferença ter um vice de lá (sem contar que concordo com vc que transferência de voto é uma lenda, menos em casos de popularidade extrema, como do Lula e do próprio Aécio). Pra mim, o Alvaro Dias foi escolhido puramente por falta de opção melhor. O Arruda era a primeira opção e foi pego pelo escândalo do mensalão do DEM, o Dornelles se tornou outra opção desagradável depois de ter murchado o projeto dos Fichas Sujas, o Sérgio Guerra foi pego com funcis fantasmas, o Aleluia se recusou, o Tasso tem richa com o Serra (que tem richa com outros trocentos tucanos), o próprio Serra insistia em ter a chapa puro sangue e aí pegou o Álvaro Dias, que é um cara extremamente midiático e sem escândalos por ora (embora tenha abandonado o PSDB e apoiado o Lula no começo). E deu no que deu porque fez a escolha de forma atabalhoada, sem consultar os outros partidos da coligação e anunciada por um inimigo do DEM, Roberto Jefferson…

3- É uma pena que os vices sejam tão desconsiderados, porque, como vimos esses dias, sete vices já assumiram na breve história da nossa República. SETE em tão pouco tempo é um bocado, eu acho. E eu não gostaria de ser governada nem pelo Temer nem (muito menos, eu diria) pelo Indio da Costa. Sou a favor de voltarmos à era Jango e termos a opção de eleger presidente e vice.

No mais, bom texto. bjos

6 de julho de 2010, 18:52

Cris (19)

Só eu comento nesta joça?! =D

7 de julho de 2010, 15:27

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Alexandre Giesbrecht nasceu em São Paulo, em abril de 1976, e mora no bairro do Bixiga. Publicitário formado pela Escola Superior de Propaganda e Marketing, é autor do livro São Paulo Campeão Brasileiro 1977 (edição do autor).

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